Publicado em 01/07/22
Julho de 1443 – O Infante D. Fernando nas masmorras árabes de Fès no interior do Marrocos
Conheça um pouco sobre o Desastre português em Tânger
A cidade de Tânger sempre se destacou como um ponto estratégico para qualquer rei ou dinastia, afinal, tratava-se de uma localização preciosa e, por isso, o comércio local era intenso; perdendo em relevância apenas para Ceuta (que havia sido tomada pelos portugueses anos antes em 1415) . Foi a terra de nascimento de um dos maiores viajantes medievais da história, Ibn Battuta, o Marco Polo do mundo islâmico.
Com a conquista portuguesa em 1415, o mundo islâmico do Magreb reagiu e um grande chamado havia sido ecoado por todo o Norte da África e numerosos reforços engrossaram a causa muçulmana, alguns cronistas citam mais de 90 mil homens de reforços para lutar contra os portuguesas nesta nova investida, número que parece ser discretamente exagerado.
Na movimentação da batalha, os lusos liderados dor D. Henrique foram atraídos para a periferia da cidade e isolados de seus navios, sofrendo uma derrota humilhante. Ao fim, receberam a intimação de retornar a Portugal desarmados e sem bagagens tendo que aceitar duras condições de rendição: o estabelecimento de 100 anos de trégua entre as duas nações, a devolução imediata da cidade de Ceuta para os marroquinos, cuja garantia iria se dar com a entrega de um refém de linhagem nobre, o príncipe Fernando aos mouros
Para a cristandade da época, havia uma só certeza: Deus estava do lado dos cristãos e havia permitido que Ceuta, dominada pelos infiéis, sucumbisse frente à força portuguesa. Logo, o porto de Tânger deveria ser presa fácil. Mas não foi. Os mouros, já sabendo do risco de perder a cidade, se prepararam. E, na ansiedade de conquistar duas cidades, os lusos quase perderam a primeira
O príncipe capturado passou a ser moeda de troca para a devolução de Ceuta aos mouros, mas as pressões internas e as forças políticas na época, cujas vozes de protesto ecoaram por toda Portugal, não admitiam devolver Ceuta aos mouros e exaltavam a legítima conquista cristã que a tomada da cidade simbolizava. Sacerdotes bravejavam que as novas igrejas de Ceuta não poderiam ser profanadas pelos infiéis. Já os mercadores ameaçavam revoltas, pois a devolução da cidade significava expor o sul de Portugal novamente aos piratas e corsários que rodavam o estreito. O rei D. Duarte sabia do preço que pagaria se não entregasse Ceuta aos mouros, seu irmão D. Fernando que havia sonhado ser feito cavaleiro com a conquista de Tânger iria pagar o preço e inevitavelmente seria sacrificado por uma causa maior.
Com o príncipe D. Fernando cativo, o rei doente e deprimido recolheu-se em Tomar, vindo a morrer em 9 de setembro de 1438 de um surto de peste. D. Fernando pagou o preço da recusa da entrega de Ceuta e definhou por mais cinco anos nas imundas masmorras[1] da medina de Fès. Suas cartas desesperadas direcionadas aos seus irmãos não surtiram efeito e o príncipe por lá veio a falecer[2]também em julho 1443. Curiosamente foi no cerco de Tânger que o avô de Pedro Álvares Cabral, também chamado Fernando, foi morto em combate.
Com o fracasso em Tânger e a morte do rei e do cativo D. Fernando, perturbações políticas fizeram Portugal mergulhar em um momento de grave crise e reflexão. Foi um banho de água fria na moral português, resultando no enfraquecimento do ímpeto de navegar e conquistar. Ao final, a pausa trouxe aprendizados e as lutas no norte africano consolidaram-se como uma verdadeira escola para os soldados portugueses, que anos depois conquistariam terras muito longínquas.
por André Mafra
[1] Citação de Elaine Sanceau em seu Castelos de África, página 92.
[2] Seus restos mortais foram devolvidos aos portugueses mediante uma troca de dois prisioneiros mouros, em 1471, advindos da conquista de Arzila e Tânger pelos portugueses.