Publicado em 03/01/22
6 de janeiro de 1492- Fim da ocupação da península ibérica pelos Mouros
Podes chorar como uma mulher, porque não soubeste defender-te como um homem[1].
Palavras duras de Aixa, mãe de Boabdil, para seu filho.
O ano de conquista da Romã moura para os Espanhóis
Da mesma forma que os portugueses quatrocentistas, os espanhóis sonhavam em conquistas além-mar, mas tinham uma pedra no sapato que eram os mouros que já ocupavam seu país por séculos. Em 1314, os portugueses tinham expulsado os mouros de seu território, mas o caso espanhol era mais complexo e exigiria quase dois séculos de muitas batalhas para lograr o que se chamou de Reconquista.
A reconquista espanhola tem um marco importante que foi a união de uma princesa com um príncipe, parece história de conto de fadas, mas não é. Em 1469, a união dos “pombinhos”, Fernando, de 18 anos e a princesa Isabel, de 17, fez surgir uma aliança entre os reinos de Aragão e Castela que resultaria em um dos reinos[2] mais importantes de toda a Europa e que iria mudar a cara do globo, o que você coloca em seu prato para comer e talvez o idioma que você ouve ou fala.
Em 1479, Fernando de Aragão e Isabel de Castela eram reis de um grande e importante território e com o advento da Inquisição espanhola, um ano antes, o fervor religioso cresceu e os reis enxergaram neste momento uma ótima oportunidade para brotar um sentimento de união no país e assim juntar forças para eliminar um inimigo comum que bastante incomodava: os mouros.
O papado em Roma via na Península Ibérica a esperança da expansão cristã. Portugal enfrentava os marroquinos e se lançavam ao mar para vencer o continente Africano tentando contorná-lo e dessa forma levar a mensagem cristã aos infiéis do Oriente. Fernando e Isabel foram formalizados como os Reis Católicos e a existência do emirado muçulmano de Granada era vista como uma afronta.
Fazendo uma alusão ao símbolo da cidade moura que era a romã, símbolo evidente da fertilidade[3] de suas terras e de seu reino, o rei espanhol Fernando jurava que todas as sementes, ou seja, cidades, vilas, povoados, deveriam ser capturadas, uma a uma, sem exceção.
“…de manera que por gracias de Nuestro Senyor todo el Reyno se nos ha entregado, y está por nos, salvo la Ciudad principal de Granada… mediante la qual esperamos en breves días haver la en nuestras manos”.
Carta do Rei Fernando de Aragão escrita em 30 de dezembro de 1489 [4]
A cidade de Granada é dividida por um rio chamado Darro, temo de um lado a poderosa Fortaleza de Alhambra de um lado e do outro lado o bairro de Albaicin, cuja as iniciais “al” já nos revela a influência moura que ainda persiste. Andar por Albaicin é reviver o passado glorioso de um tempo em que a prosperidade e a riqueza estavam fincados no coração da Andaluzia. Atualmente milhares de turistas se aventuram pelas ladeiras e subidas do antigo bairro moura para ter vista privilegiada de Alhambra e disputar os turísticos shows de flamenco pelas covas de Sacromonte. Um cliché que não pode ser perdido.
As estreitas ruas de granada
No período das últimas décadas do século XV, os espanhóis haviam vencido os mouros e tinha reconquistado inúmeras cidades e vilas para o cristianismo, o último Emirado que resistia ainda era o de Granada.
Muitas outros pueblos foram retomados e queda do último bastião muçulmano não ria tardar. A empreitada dos Reis católicos tinha durado mais do que se imaginava com as finanças estavam apertadas, a rainha Isabel foi obrigada a penhorar joias da coroa para arrecadar fundos para a continuação da Reconquista. Al Zagal, último foco de resistência se rendeu assinando um acordo no qual deixou a Andaluzia e foi para o Marrocos. Restava agora última pedra no caminho dos cristãos que era Boabdil, antigo aliado que se acreditava render-se com facilidade, afinal já há alguns anos colaborava com os espanhóis, mas na realidade não o fez, rompeu os acordos e assumiu a resistência moura com persistência até a capitulação final.
Se as forças mouras estavam se fragmentando, as cristãs mostravam um franco movimento de coesão, cujo casamento dos reis católicos em 1469 indubitavelmente é o fato mais preponderante. O emirado de Granada, última possessão a ser liberta pelos cristãos, era regido por Muley Abul Hassan (Abu-l Hasan Alí) que sempre se colocou reativo as forças espanholas liderando com afinco a resistência moura, mas cujo governo, nos anos de 1480, gozava de um grande desprestígio interno e cujo altos impostos refletiam a baixa popularidade.
Em 1482, seu filho, Boabdil, corruptela de Abd Allah Muhammad, conseguiu tomar o trono de seu pai, expulsando-o de Granada. Animado, no ano seguinte, urdiu uma incursão militar contra a praça espanhola de Lucena, mas seu exército foi destroçado e Boabdil acabou sendo feito cativo dos cristãos. O fato repercutiu tão positivamente na corte espanhola que os condes responsáveis pela captura de um alto membro do Emir granadino, puderam ostentar em suas vestes o desenho da cabeça coroada de um mouro.
Nos últimos tempos de Granada, os portões da cidade se encontravam abertos em uma política de assustar o inimigo feito pela resistência moura que adotou uma tática de guerrilha nas estreitas vielas. Para provocar os mouros, um corajoso cavaleiro espanhol chamado de Hernán Pérez del Pulgar, adentrou as ruelas com mais quinze companheiros e deixou uma plaqueta provocativa com o lema Ave Maria nas portas de uma Mesquita e fugiu. Era comum cavaleiros mouros desafiarem os espanhóis para desafios de um para um, opção que após algumas baixas os espanhóis cessaram.
Enquanto isso a capital moura estava cercada e assolada pela fome e doenças, a cidadela estava isolada e todo o campo e suas provisões tinham sido confiscados ou destruídos. O cerco que tinha começado em abril de 1491, tinha um caráter permanente, tanto que uma vila chamada de Santa Fé foi edificada à beira da cidade, com pedras e argamassa, pronta inclusive para suportar o inverno, deixando claro as intenções dos cristãos hispânicos de por lá se fincarem o tempo que fosse necessário.
A situação da população e dos homens de Boabdil era precária, os reis católicos pressionaram Boabdil que desistiu de lutar e assinando sua rendição em 2 de janeiro de 1492. Quatro dias depois, no dia de Reis, Fernando de Aragão e Isabel de Castela ocupavam a fortaleza de Alhambra e içaram a cruz, o estandarte real e a bandeira da ordem de Santiago na alta torre da Campana, também chamada de Torre de la Vela.
Boabdil entregou as chaves da cidade aos cristãos, o simbólico ato ficou imortalizado por diversos artistas que reproduziram a cena clássica no qual a desolação e a tristeza por parte dos mouros é bem representante do mesmo modo que a confiança e a soberba estão estampadas na postura e nas feições dos reis católicos e integrantes do séquito cristão. Os reis católicos ocupam totalmente Alhambra e Boabdil parte em seu cavalo para as montanhas[5] chorando a perda da belíssima Granada para os cristãos.
Neste contexto dos últimos anos do século XV, a Espanha conhece o conceito de identidade nacional abalizado pela força de uma igreja católica poderosa que permitiu aos espanhóis lançaram-se em busca das riquezas do Oriente, Colombo foi o grande beneficiado e recebeu o “sim” dos Reis Católicos para dar cabo ao seu projeto de lançar-se para as Índias pelo Atlântico.
[1] Bien haces, hijo, em llorar como muger ló que no fuiste para defender como hombre. Referência de Luis Mármol citado por Ricardo Villa-Real em Historia de Granada, página 145.
[2] Dez anos depois em 1479 Fernando e Isabel reinaram sobre Castela e Aragão juntos.
[3] Em espanhol o fruto romã se chama granada e em árabe rummán. Tratava-se de uma fruta nobre e muito reverenciada na Grécia antiga, estava vinculada a Deusa Afrodite. Seu fruto quando aberto ao meio pode ser comparado a um ovário e suas sementes com óvulos.
[4] Carta ao general Bayle de Valencia, descrita em Historia de Granada, pagina 132.
[5] Montanhas que se chamam Puerto Del Suspiro Del Moro até hoje. Um restaurante com o mesmo nome também ocupa o local. Bobdil anos depois foi para o Marrocos onde viveu em Fès até sua morte que acredita-se que tenha sido entre 1518 e 1533.
por André Mafra