Publicado em 01/05/23

11 de maio 330 d.C. – Constantino transforma Bizâncio na capital do Império Romano

Busto de Constantino, Louvre 2013

A queda do Império Romano Ocidental e a ascensão de Constantinopla

foto de capa: Busto de Constantino, por André Mafra

Imagine o que se passava na cabeça de um pobre camponês do Império romano, em meados do século II, cuja família sofria as consequências da peste, da fome e da extenuante carga de impostos e tributos advindos do proprietário das terras em que trabalhava e de seu imperador. Este sofrido trabalhador começava a enxergar na nova mensagem religiosa, que cada vez mais se popularizava, uma esperança de mudança e salvação.

A  grande diferença que o cristianismo acenava era na crença da existência de uma vida eterna pós morte, onde habitava-se em um mundo divino e sendo assim a morte não significaria simplesmente o fim de tudo. Este pensamento pautava a conduta dos cristãos dos primeiros séculos e representava um empecilho aos interesses dos poderosos de Roma. Os devotos cristãos eram considerados rebeldes que se recusavam a aceitar o caráter divino do imperador na sociedade romana. Davam mau exemplo para a ordem e subjugação das classes pobres às autoridades imperiais.

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Detalhe do mosaico – Cristo Pantocrator – do interior do Museu Hagia Sophia, Istambul, 2011 foto Karina Cordeiro.

Os recém-convertidos à fé cristã tinham uma vida difícil. Praticavam a fé na clandestinidade, escondidos em cavernas subterrâneas, professando sua fé nas catacumbas, mas não bravamente suportavam as perseguições e até mesmo a tortura. Ele tinha no que acreditar. Havia esperança.

A martirização dos cristãos que não aceitavam o imperador como um ser divino, gerou inspiração e comoção por parte dos não cristãos. A superação daqueles primeiros devotos causou admiração na sociedade, e assim o respeito e o prestígio da perseguida comunidade crescia. Mais tarde, esses mártires vieram-se a tornar os primeiros santos cristãos. Seus santuários eram erigidos nos lugares onde tinham sido torturados, tumbas que continham as relíquias dos mártires[3] passaram a locais de peregrinação e comoção cristã. O ideal de sofrer e lutar pela mensagem cristã se popularizou.

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Detalhe do entalhe em madeira da representação de mártires cristãos. Catedral de Córdoba, Espanha, foto do autor, 2014.

Por outro lado, as legiões de soldados, sempre dispostos a defender o império, estavam cada vez mais compostas por estrangeiros que pouco respeitavam a autoridade de seus chefes. A fome e a peste assolavam um império grande e agonizante, cuja arrecadação de impostos mostrou-se deficitária. A franca expansão de uma massa popular cristã na sociedade romana tornou-se realidade: muitos não queriam mais se sacrificar por um imperador, mas suportar as dores que o mundo lhes infligia tal qual Cristo os ensinou.

No interior da atual Turquia, temos os resquícios dessas primeiras igrejas cristãs primitivas. Suas paredes eram decoradas com imagens simplificadas das histórias bíblicas e símbolos cristãos. São Gregório de Nissa, teólogo e maior expoente dos padres capadócios do final de século IV enfatiza: Não há outra região em todo o mundo que se possa orgulhar de ter tantas igrejas como a Capadócia. No cultos da liturgia cristã acredita-se que o uso das velas tenha surgido da necessidade de se iluminar o culto nessas galerias subterrâneas.

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Interior de igreja cristã Agaçalti Church na Capadócia, Turquia, foto do autor, 2002.

A crise em Roma e a tetrarquia

Por volta das primeiras décadas dos anos 300 D.C., o Império Romano do Ocidente se encontrava em franca decadência. Várias foram as tentativas de por fim ou atenuar rebeliões, ataques estrangeiros, perda de territórios, problemas de arrecadação de impostos e dissidências do agonizante império.  Entre elas, a sábia criação de um sistema de gestão dividida, no qual quatro governadores compartilhavam o poder. Apelidado de tetrarquia, o modelo buscou melhorias na administração do gigantesco território, com controle das fronteiras e da incursão de povos inimigos vizinhos.

Em Veneza, temos o monumento dos tetrarcas, que simboliza esse antigo sistema de governo instituído para salvar o fragmentado Império Romano. A obra, originária de Constantinopla[4], está renegada ao lado exterior da basílica de São Marcos.  Construída em pórfiro[5], a estátua dos quatro homens quase passa despercebida pela maioria dos turistas.

Os tetrarcas, Veneza, foto do autor 2012
Os tetrarcas, Veneza, foto do autor, 2012.

A alguns desavisados, tive que solicitar educadamente que se desencostassem da imagem e retirassem seus copos de refrigerantes, sanduíches e guloseimas, para que eu pudesse tirar uma singela foto. No mesmo momento, todos se viraram e passaram a fitá-la com mais atenção; prontamente sacaram suas máquinas fotográficas, bombardeando as quatro novas celebridades que um dia dividiram o poder do Império Romano[6]. Um dos quatro tetrarcas, chamado Constâncio Cloro, era o pai de Constantino. Quando de sua morte, seu exército imediatamente clamou seu filho como o novo imperador. O jovem líder resolveu investir em uma difícil empreitada: tomar as regiões imperiais governadas pelos três demais governantes, restituindo um único império sob comando centralizado. O astuto Constantino percebeu que a mudança tinha que ser estrutural; seria um erro continuar a perseguir os cristãos, então, buscou o apoio dessa crescente onda que se instalava na sociedade romana.

O imperador atacou Roma, enfrentando Massenzio[7], o sucessor direto da coroa imperial. Diz a lenda que o bravo comandante teve uma visão do sinal da cruz no céu, junto às palavras in hoc signo vinces (“sob este signo vencerás”), e esta revelação teria sido o prelúdio da vitória de Constantino contra o seu último oponente. Conhecido como a Batalha da Ponte Mílvia, o conflito ocorreu nos arredores da cidade e virou um dos mais importantes temas da cristandade, reproduzido por centenas de artistas ao longo dos séculos. Com essa vitória, o filho de Constâncio tornou-se imperador do Ocidente e, ao derrotar Licínio, em 324 d.C, imperador do Oriente também.

Quase mil anos depois, na primeira missa realizada pelos sacerdotes franciscanos no Brasil, Caminha, autor da carta que narra o  descobrimento do Brasil, relata a referência ao fenômeno vivenciado por Constantino, nos primórdios do cristianismo, quando descreve o fim da missa e o início do sermão do padre Frei Henrique sobre o Evangelho. Ele diz: “Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.”

A pólis de Constantino

Após vencer seu oponente, Constantino decide transferir a capital do império para a longínqua e antiga colônia grega de Bizâncio. Toda a corte imperial, generais, artistas e intelectuais mudam-se para a “nova Roma”, lá no Oriente. O novo centro do poder romano, movido agora para o leste, passou a se chamar Constantinopla[8] . Com a medida, Constantino evitou um eventual levante de seus inimigos, prevenindo-se das hordas de bárbaros que assolavam o Ocidente, além de reforçar as fronteiras a leste, que mais uma vez sofriam o assédio dos persas.

O novo Império Romano oferecia liberdade de culto e proteção oficial aos antes perseguidos cristãos, e Constantinopla tornou-se a base cristã do novo Estado. Havia assim um só reino, com uma só religião monoteísta, o cristianismo[9], sendo governado por um só imperador – no caso, ele mesmo, Constantino. A história do mundo ocidental e os preparativos para uma nova era estavam anunciados.

A Terra Santa de Constantino

Ao visitar Israel, podemos ter uma noção da importância e da mudança provenientes da aceitação do cristianismo pelo império Romano. São muitos os locais onde se pode ver os resultados arquitetônicos de sua decisão. Em 326 d.C Constnatino enviou sua mãe Helena em peregrinação para definir e oficializar os locais sagrados da vida de Jesus, lembremo-nos que já haviam se passado mais de três séculos e ainda hoje alguns dos locais apontados por Helena ainda fazem parte das rotas de devotos cristãos.

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Portão da cidade velha de Jerusalém, Israel, 2015, foto do autor.

Destaques para a demarcação da Via Dolorosa em Jerusalém feita por ela, no qual Jesus caminhou em direção a sua crucificação, cuja cruz verdadeira Helena teria achado e levado para Constantinopla onde faleceu pouco tempo depois da visita à Terra Santa, e a Igreja do Santo Sepulcro, construído no local onde Jesus teria sido crucificado, sepultado e depois ressuscitado. Destaque ainda para a Igreja da Natividade, construção em Belém no local onde Jesus teria nascido que contou com ajuda de artistas bizantinos vindos de Constantinopla.

para saber mais sobre a arte bizantina no artigo do Giovanni Bagnoli

 

por André Mafra


[3]                Enfatiza Judith Herrin, em Bizancio El império que hizo possible La Europa moderna, pág. 73.

[4]                Encontraram em Istambul, há 40 anos, um dos pés que faltavam de um dos tetrarcas, confirmando assim que o monumento veio de Constantinopla. Acredita-se que a obra ocupava a Praça Filadelfia na cidade bizantina.

[5]                Um tipo de granito nobre avermelhado.

[6]                Sistema instituído pelo imperador romano Dioclesiano, que assumiu o poder em 284 d.C.; percebendo que era impossível governar de um só local, propôs um governo divido em quatro capitais imperiais. Foi o último imperador romano que perseguiu ferozmente os cristãos do império.

[7]                Encontra-se grafado também como Massêncio, Maxêncio, Maxentius entre outras grafias.

[8]                 Constantino renomeou a cidade em sua homenagem, da mesma forma que o imperador romano Adriano fez fundando Adrianópolis e Alexandre Magno com Alexandria. Constantinopla também foi chamada de a “Nova Roma” ou “segunda Roma”. Para alguns autores, o nome Constantinopla, a polis de Constantino, só foi assumido quando Constantino morreu. Com a queda de Constantinopla em 1452, a igreja ortodoxa manteve-se forte na Rússia e Moscou foi apelidada de a “terceira Roma”. Na Índia, a cidade de Goa, colônia portuguesa, foi também chamada de “Roma do Oriente”. Já chega, não é mesmo?

[9]                Foi em 311 d.C. que Constantino assinou o Édito de Milão, que concedia liberdade religiosa ampla aos cristãos, além de conceder indenização pelos seus bens anteriormente confiscados. Teodósio, em 383 d.C., assina o Édito de Tessalônica, no qual o cristianismo passa a ser a única religião oficial do Império, as demais não são mais toleradas.

 

 

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Andre Mafra

  Estudioso da área de culinária desde 2010, dedica-se a pesquisar e estudar sobre alimentação e especiarias. Realizou viagens aos… Continue lendo.

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