Publicado em 23/03/16

As Cruzadas – A influência das cruzadas no paladar ocidental

 O desejo pelas especiarias do Oriente na idade média

A era das cruzadas é uma das mais importantes da história da civilização ocidental. Quando começou, o oeste europeu mal emergira do longo período de invasões bárbara que denominamos de Idade das Trevas; quando terminou, o grande desabrochar que chamamos de Renascença acabara de ter início.

 Steven Runciman

As cruzadas e suas influências no paladar ocidental

As Cruzadas marcaram o momento no qual a Europa ocidental, por meio dos seus cavaleiros cruzados[1], travou contato in loco com a cultural oriental. O movimento durou entre os anos de 1096 e 1291 e, no início, teve como meta tomar os lugares que os cristãos consideravam sagrados, onde Jesus supostamente vivera: Belém, Nazaré e Jerusalém[2]. Para tanto, multidões de peregrinos e soldados se deslocaram em direção à Palestina, resultando em intensas trocas culturais e comerciais que incitaram no Ocidente o desejo de conquistar as riquezas do Oriente. O efeito disso foi uma invasão de especiarias exóticas à mesa dos europeus.

Muralhas do antigo porto de Acre, atual Akko em Israel
Muralhas do antigo porto de Acre, atual Akko em Israel

Os cruzados foram responsáveis por esse despertar. Legumes, pães, doces, vinhos, carnes e peixes. Tudo parecia exageradamente condimentado quando preparado conforme os hábitos orientais, mas essa percepção também os fazia repensar que, talvez, a culinária ocidental fosse insossa[3] no quesito sabor. Se você, leitor já teve o prazer de viajar para países onde a comida é mais temperada, como Índia, Marrocos, Turquia, Israel e outros, possivelmente teve a mesma impressão. Mesmo já sendo um admirador das especiarias, fiquei surpreso, nas minhas primeiras viagens, com a forma e a quantidade com que são usadas. Meu paladar mudou para sempre.

Os cruzados deixaram magníficas fortificações por onde passaram e levaram consigo o gosto pelos alimentos condimentados e o contato mais efetivo com as especiarias. Anos depois, iriam se lançar ao mar para buscar o monopólio comercial dessas riquezas. Os integrantes das Cruzadas eram peregrinos acompanhados de um contingente armado que lutaria para recuperar lugares santos, mas que seria também responsável pelas aberturas de diversos entrepostos comerciais na região do Oriente Médio e Ásia Menor, pelos quais trocava-se lã, ferro e madeiras de construção por frutas e especiarias, como pimenta negra, noz moscada, cravos da índia, canela e cardamomo[4]. No pós-cruzadas, o sabor do Oriente havia conquistado o europeu definitivamente.

Nesse processo, houve um grande fluxo de conhecimento, cultura e hábitos de leste a oeste, e vice-versa. Estava claro que aqueles soldados e peregrinos desejavam implementar em suas terras natais, ao voltarem para casa, os confortos de Outremer – nome francês dado às terras além-mar – destaca Steven Runciman, grande historiador das Cruzadas. O padrão de vida no Ocidente foi, então, içado a novos patamares. Hoje, sabemos que boa parte do conhecimento ocidental e da construção da ciência moderna deve-se à interação da Europa com o mundo oriental.

[1]             Deriva do latim cruce signatus, que significa aquele que leva o signo da cruz, explica Thomas Madden em As cruzadas, página 51.

[2]             Como destaca Michael Krondl em O sabor da Conquista. Já para o Islã, as três cidades mais sagradas são, na ordem: Meca, a cidade do profeta; Medina, que o acolheu; e Jerusalém, para onde o Profeta foi miraculosamente transportado e de lá ascendeu aos Céus.

[3]             Insossa é uma excelente palavra que designa uma alimentação pobre em condimentos. Michael Krondl a utiliza no mesmo sentido quando descreve a comparação entre o mundo ocidental e o Oriente próximo. …suas torres de menagem era úmidas, lúgubres e cheias de corrente de ar e de como era insossa sua comida na terra natal. O Sabor da Conquista, página 61.

[4]             Fernanda de Camargo-Mouro, em Arqueologias Culinárias da Índia, página 41.

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Andre Mafra

  Estudioso da área de culinária desde 2010, dedica-se a pesquisar e estudar sobre alimentação e especiarias. Realizou viagens aos… Continue lendo.

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