Publicado em 01/08/24
16 de agosto de 1191, A bárbarie de Ricardo Coração de Leão
Um ato sem coração na Cruzada dos Reis.
Para chegar até a distante Jerusalém, o deslocamento era um dos maiores inimigos para os soldados durante as Cruzadas, motivo pelo qual os franceses, sob o comando de Philippe Auguste, pediram auxílio aos genoveses para serem transportados por via marítima.
A história dos franceses na Terceira Cruzada foi breve, mesmo com a palavra franco sendo designada para se referenciar ao ocidental invasor. Eles partiram para o leste, mas o rei francês, após o cerco à cidade de Acre (atual Akko ao norte de Israel), desistiu da ofensiva, retornando à Europa em agosto de 1191 e oficializando, em Roma, seu afastamento da batalha. Um dos motivadores da decisão foi seu abalado estado de saúde; desde que havia chegado à Terra Santa, sofria de diversas enfermidades, entre elas a arnaldia, forte febre que provocava queda de cabelos e unhas.
Philippe partiu, deixando para trás seu aliado Ricardo I, eternizado na história como Ricardo Coração de Leão[1], líder dos ingleses. Mas, a aliança foi desfeita assim que o francês chegou ao Velho Mundo e decidiu atacar possessões de terras de seu companheiro. A parceria em que tanto o papa apostava para fazer frente ao poderio muçulmano estava encerrada.
Os ingleses deslocaram-se por via terrestre, solicitando salvo-conduto aos governantes dos territórios por onde passavam – documento não muito fácil de obter, afinal, ter suas terras invadidas por milhares de soldados famintos não devia ser nada confortante para o rei local. Mesmo com as dificuldades, eles chegaram e invadiram as terras do Oriente Médio sitiando o estratégico porto da cidadela de Acre. Depois do êxito Primeira Cruzada, sob o reino dos cruzados, Acre havia sido a mais próspera cidade, mas estava agora nas mãos muçulmanas de Saladino, que rapidamente deslocou-se para lá com seus homens para protegê-la. Após duras batalhas nas muralhas de Acre, o idolatrado sultão foi derrotado e a cidade voltou as mãos cristãs.
Apesar do apelido “Coração de Leão”, uma coisa que os soldados de Cristo pareciam não ter era coração, inclusive Ricardo que ao ter novamente a posse da cidade, cometeu umas das maiores atrocidades de guerra da época, considerada brutal até mesmo para os padrões vigentes. Sem saber o que fazer com os cativos muçulmanos de Acre, pois tinham que ser alimentados e mantidos presos enquanto duravam as negociações com Saladino[2], Ricardo decidiu eliminar o problema pela raiz: mandou decapitar os 2.700 prisioneiros sobreviventes, entre eles soldados, mulheres e crianças. Nunca na história das Cruzadas, até aquele momento, cativos haviam sido tratados dessa maneira. Chegou-se a ponto em que os parâmetros de tolerância e tratamento entre os inimigos desceu para o nível de barbárie extrema.
Sob o comando de Ricardo, os cruzados partiram de Acre pelo litoral, hoje costa israelense, em direção a Jerusalém, passando por Haifa, Cesaréia (antiga Caesarea) e Jafa, onde pequenos, porém violentos combates, se sucederam contra as forças de Saladino. O líder inglês, contando com apenas 10 mil homens, hesitou em avançar em direção ao interior para a conquista da Terra Santa, permanecendo na costa, para desespero de alguns soldados, que de tão longe haviam partido e sonhavam em guerrear em Jerusalém. No entanto, ele estava certo: não haveria como tomar a cidade com aquele contingente e, mesmo que a tomasse, não conseguiria mantê-la por muito tempo.
Ao fim, dois dos maiores generais da fé na história, Ricardo Coração de Leão e Saladino, fizeram um acordo para que as cidades costeiras Tyro, Acre, Caesarea e Jaffa ficassem em poder dos cruzados, com a condição de que Jerusalém permanecesse com o Crescente. Os líderes decidiram que os peregrinos cristãos poderiam visitar a cidade e, assim, uma trégua de alguns meses foi estabelecida.
Dessa forma milhares de cruzados desistiram da causa e retornaram à Europa, inclusive o próprio Ricardo, enfraquecendo a luta cristã. Ele sabia da incapacidade das forças francas de enfrentar Saladino e também do risco que seus territórios na Europa sofriam com o assédio de seu antigo companheiro Philippe. Por ironias do destino, logo depois de sua partida, Saladino faleceu e o reino muçulmano, então, entraria em queda. Ricardo jurou que um dia retornaria para tomar Jerusalém, mas nunca o fez. Era o fim da Terceira Cruzada, batizada de a Cruzada dos Reis.
[1] Era um gênio militar, um dos melhores estrategistas de guerra das Cruzadas, e ainda por cima um líder carismático. Ao fim, voltou para a Europa, jurando que retornaria para tomar Jerusalém, mas nunca o fez. Morreu em 1199.
[2] Os cruzados queriam que Saladino devolvesse relíquias sagradas tomadas na Segunda Cruzada.