Publicado em 15/02/21
Saiba mais sobre Gaspar da Índia – complemento do capítulo 13 do Sabores & Destinos
Saiba mais sobre Gaspar da Índia
A empreitada de Vasco da Gama em direção as terras indianas é claramente um dos feitos mais espetaculares das grandes navegações. Neste artigo complementar descrevo as interessantes informações sobre o início do retorno de Vasco da Gama da Índia em Calecute para Portugal.
Após deixarem Calicute Gama e seus homens navegaram rumo ao norte e ancoraram em uma ilha que fazia parte de arquipélago de 5 ilhas a duas léguas da costa indiana. A ilha é relatada como linda, com abundância de água nos poços, florestas verdes que revestiam montes, solo fértil e produtivo, além de abundância de peixes e mariscos.
Não demorou para os lusos receberem visitas, uma delas entrou para a história e iria mudar a história dos descobrimentos portugueses. Trata-se de um homem de seus 40 anos que se aproximou da S. Gabriel, vestindo um pano de linho branco que ia até os tornozelos, ainda um belo turbante e uma cimitarra (espada de lâmina curva) na cintura. Seu excêntrico vestuário e sua cor de pele denunciavam que sua origem era de qualquer lugar menos indiana.
Não satisfeito em aparecer de maneira autêntica, bradava com um sotaque italiano do Vêneto que também era cristão decididamente encaminhou-se em direção a Vasco da Gama e tascou-lhe um abraço como se fossem velhos companheiros e seguiu o mesmo protocolo com os demais capitães estupefatos.
Com larga profusão de palavras, contou sua jornada, dizia-se levantino e que havia sido raptado como criança para viver junto a um reino muçulmano e que comandava mais de 40 mil homens em Goa. Quando ouvi falar da chegada dos portugueses implorou ao seu Senhor muçulmano que lhe deixasse visitar os viajantes cristãos. O festivo visitante pediu ainda troços de queijo para enviar a um companheiro em terra, o pedido foi aceito acrescido de dois pães; O suposto levantino sempre falando e muitas vezes se contradizendo. Como resultado, foi aprisionado por Vasco da Gama e a truculência do impaciente português viraram acoites que resultaram em confissões. O visitante havia aparecido por lá apenas para observar os lusos e seus armamentos.
Sem descobrir exatamente quem ele era, Vasco da Gama tomou a decisão de levá-lo a Portugal mantendo o tagarela sob custódia na nau Capitânia. Levantaram ferro das terras indianas trazendo poucas amostras das riquezas da Índia como pimenta, gengibre, canela, cravo e noz moscada. Elaine ainda acrescenta os exemplares humanos carregados junto as naus portuguesas, ficamos com a impressão que aqueles humanos tinham menos valor que as caras especiarias. Ambos serviriam como prova do feito náutico, e os exemplares humanos poderiam servir de intérprete entre outras funções.
Não demorou muito para o falante exercitar seus músculos laríngeos, após uma certa distância da costa resolver revelar suas verdades. Sua história havia começado na Polônia, era filho de judeus nascidos em Posen (Poznan´) e fugidos para Alexandria no Egito onde foi criado tornando-se um hábil negociante e hábil lapidário, desde pequeno viajou demasiado e aprendeu muitas línguas. Ao final chegou a corte de Bijapor onde abraçou o islamismo e foi trabalhar para Iusuf Adil Cã (Yusuf Adil Shah) onde virou chefe da alfândega. Uma jornada impressionante! Você também ficou com vontade de ter conhecido “um figura” com este?
O cativo ilustre, temendo pela sua vida, implorou para que não sofresse punições e indicou sua tendencia em querer abraçar o cristianismo. O judeu errante foi ganhando a confiança de todos e acabou por ser batizado por Vasco, na qual ganhou o nome de Gaspar da Gama, mas eternizado como Gaspar da Índia. A viagem prossegue com diversos percalços em direção as terras lusas, mas deixo esses detalhes para outro texto.
Ao final dos 150 homens que partiram aproximadamente, chegaram um pouco mais de 50, mas em sua chegada à Lisboa mostrava-se tão à vontade que parecia que por lá já havia vivido. De personalidade cativante, Gaspar logo chamou a atenção de D. Manuel que o acolheu, era uma mina de interessantes informações, falava hebraico, caldaico e assírio e também alemão, e diz que o misto de espanhol e italiano, em que ele se exprimia, era “tão claro que se entende como um português, nem ele menos os nossos[1]”.
A incrível história de Gaspar da Gama e seu encontro com D. Manuel nos faz lembrar a visita do veneziano Marco Polo, poucos séculos antes na corte mongol de Kublai Khan na China. Não à toa Gaspar da Gama foi convocado para fazer parte da armada Cabralina e por terras brasileiras foi um dos primeiros a desembarcar.
[1] Pag 237 – O Caminho da Índia de Elaine Sanceau
Sugestão de leitura complementar:
O Caminho da Índia de Elaine Sanceau
Elaine Sanceau é daquelas escritoras que devotou a vida ao estudo dos feitos portugueses durante o período dos Descobrimentos. Filha de pais franceses, Elaine Sanceau nasceu em Croydon na Inglaterra em 1896 foi educada na Suiça; A partir de 1930 passou e residir em Portugal e a relação com aqueles país formou um caso de amor, suas diversas obras relatam de forma fácil e deliciosa o saga dos lusos em mares da Ásia. Entre suas obras destaco: D. Henrique, o Navegador, Afonso de Albuquerque – O sonho da Índia, Em demanda do Preste João, D. João de Castro, O caminho da Índia, D. João II, Capitães do Brasil. Em 1979, postumamente, foi editado o seu estudo Mulheres Portuguesas no Ultramar.
Vídeo: Gaspar da Gama: um judeu no Descobrimento do Brasil de Eduardo Bueno