Publicado em 09/01/17
A Basília de São Marcos, um pedaço do Oriente
A praça São Marcos, ponto mais famoso da cidade, abriga a magistral igreja da república, a Basílica de São Marcos, cuja história revela o passado glorioso da antiga Veneza. Com modelo arquitetônico grego, similar ao da igreja dos Santos Apóstolos, em Constantinopla – tipicamente oriental, com adaptações ocidentais -, o templo cristão é uma representação viva da mescla entre Ocidente e Oriente, e mostra evidente ligação com a Ásia menor.
Ao entrar na basílica, imediatamente percebi o quão oriental e bizantina é a mais importante igreja da cidade, e confesso que levei alguns bons minutos para entender onde, de fato, eu me encontrava, se em Veneza ou na antiga cidade de Constantino.
Quase a totalidade da imensa basílica é preenchida por belíssimos mosaicos[1], cuja arte foi aprendida por artistas “gregos”, como foram chamados aqueles vindos do Império Romano do Oriente. Ainda hoje os mosaicos servem para nos contar muito dessa história, função que exercem desde os primórdios da cultura cristã – eram eles que ensinavam quando nem mesmo reis sabiam ler.
Na visita, pude também comprovar a competência veneziana no transporte marítimo de tantas relíquias, monumentos e obras de arte. E apenas saber das riquezas sequestradas de Constantinopla não é o suficiente para entender o grandioso valor destes itens. São peças centenárias confeccionadas à mão por artistas espetaculares, objetos feitos de ouro, prata e diversos materiais nobres, entre eles cálices pertencentes aos patriarcas bizantinos, uma magnífica patena[2] de vidro cravejada de pedras preciosas, caixas para relíquias e joias belíssimas que ilustram a riqueza, o poder e a arte furtados dos bizantinos. [bullet 3]
A esse tesouro soma-se ainda o retábulo mais refinado do mundo antigo, a Pala d´oro[3], com a representação da Virgem Nicopéia. A tradição da pintura deste ícone cristão se deu a São Lucas e servia de proteção para as antigas tropas bizantinas de Constantinopla.
Não podemos nos esquecer também das diversas colunas de mármore que ornam a fachada da basílica veneziana, mas que claramente não cumprem a função de uma coluna, já que nada sustentam. Elas estão lá somente para evidenciar a superioridade de Veneza frente à Constantinopla.
Nas salas superiores da Basílica, encontrei os quatro imensos cavalos de cobre que foram levados do antigo Hipódromo de Constantinopla, construído pelo imperador Septimus Severus – os hipódromos eram locais típicos de diversão de uma cidade romana. Os equinos de metal foram colocados na fachada da Basílica em 1260, como símbolo mais emblemático do poder da Sereníssima, a nova herdeira da capital bizantina. A Rainha do Adriático havia assim vestido o manto da Roma antiga.
Muitos anos depois, a quadriga com os cavalos originais foi retirada e guardada no museu no interior da igreja, sobrando para a fachada apenas cópias. Eles ainda representam a mais famosa e admirada obra de arte da basílica. Curiosamente, em uma cidade cortada por centenas de canais fluviais, é óbvio que cavalos nunca pertenceram ao cotidiano do povo veneziano.
[1] Destaque para o mosaico feito em 1265 da Porta de São Alipio. É o mais antigo da fachada da São Marcos.
[2] Patena é uma espécie de prato usado na liturgia cristã. Peças do século X e XI.
[3] Uma mescla de trabalhos bizantinos, em sua maioria, e posteriormente venezianos. Possui 3,34 metros por 2,51 metros, 250 pinturas esmaltadas e 1927 gemas de pedras.