Publicado em 06/03/23

9 de março de 1500 -Zarpa de Lisboa a frota liderada por Pedro Álvares Cabral

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A armada Cabralina sai em nove de março de 1500, rumo a Cabo verde navegando pela costa Africana, passa pelas ilhas Canárias, treze dias depois no dia 22 de março chega a vista da ilha de Cabo Verde para abastecimento de água. No dia 23 de março uma das naus se perde com aproximadamente 150 tripulantes, provavelmente era a nau de Luis Pires ou a nau de Vasco de Ataíde[2]. De lá seguiram em sua nova orientação de abrir para oeste uma curva, curva esta que se abriu muito, propositadamente ou não, mas que em algum momento com diz Pero Vaz de Caminha acima em sua carta a frota se aproximava de uma ilha. Após as Canárias e ao sumiço de umas das naus, a frota entra em uma região de calmarias equatoriais, bem diferente do estado emocional daqueles homens que certamente estava muito longe do calmo. Segue a descrição: “Ali as naus ficavam estáticas. […] por cerca de dez dias, a frota de Cabral arrastou-se a velocidade de um nó (ou 1,9 km por hora). Anos mais tarde, esse mesmo trecho seria o primeiro calvário pelo qual passariam as naus que seguiam a Carreira da Índia. Nos doldrums (palavra inglesa que significa desânimo), onde às vezes os navios chegavam a ficar retidos por quarenta dias, a água acabava e a morte rondava os tripulantes; as velas pendiam, frouxas, no ar escaldante.” [3]

Nessas condições o bravos navegantes eram comumente atingido pelas intensas febres, talvez causadas pela exposição excessiva ao sol, esses percalços eram chamadas vulgarmente de “mal das calmarias.”

O desembarque

A frota de Cabral se aproxima da costa em 22 de Abril de 1500, data oficial do descobrimento, no dia 23 se aproximam da terra e é neste momento que são avistados os primeiros habitantes brasileiros pelos portugueses, Nicolau Coelho é escolhido para desembarcar depois de ancorarem junto a um rio. Os primeiros contatos são estabelecidos.

Museus dos Descobrimentos em Belmonte, Portugal
Museus dos Descobrimentos em Belmonte, Portugal, 2012

A carta de Caminha descreve esses primeiros contatos como pacíficos e tranquilos, trocam-se presentes. Em 24 de abril, se deslocam mais para o norte, recolhem alguns indígenas e os descrevem assim: “A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma coisa cobrir nem mostrar suas vergonhas. E estão acerta disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto”.Com isso percebem que os índios não se encaixam nas antigas descobertas ou parâmetros. Os índios não se pareciam com as descrições ou percepções que se tinha dos nativos do Oriente, também seus costumes não se pareciam com o dos africanos. Eles não temperavam suas comidas, pelo menos não com as especiarias conhecidas da época (cravos, canela, cominho e outras), se utilizavam de diversas ervas e de frutinhas picantes que havia em demasia por aquelas matas. Essas frutinhas, na verdade, eram os capsicums, as pimentas[4] em formato de frutos típicos das Américas que Colombo anos antes havia descoberto e levado para a Europa anos antes, eram encontradas de diferentes cores e tamanhos.

Outro fato curioso dos descobrimentos é que mais do que terras, agora encontravam outros homens. Seres humanos que tinham que se encaixar em algum rótulo, eram eles cristãos, mulçumanos, judeus? Com certeza um conflito para aqueles que levavam a palavra de Deus por meio das Ordens militares católicas. Afinal como Deus havia se esquecido de algumas de suas ovelhas em terras desconhecidas[5]?

Uma utilização interessante das pimentas pelos índios brasileiros era a de montar uma fogueira e queimar muitos pés de pimenta com o vento a favor, essa fumaça tóxica seria levada até o inimigo para desalojá-lo de seu abrigo.Os nativos também não conheciam o açúcar nem o vinho, sua bebida fermentada era a base de mandioca e era chamada de cauim. A grande utilização de inhame, um tubérculo encontrado no Brasil e também de outras sementes, provavelmente outras especiarias são descritos por Caminha em sua epístola. Os indígenas de início não aceitavam os mantimentos que os portugueses lhe ofereciam. Vinho, pão, peixe cozido e até água os índios colocavam a boca e rejeitavam. Nada grave quando sabemos das péssimas condições de higiene dos mantimentos que chegavam das grandes navegações, tenho certeza que um europeu de hoje que provasse aquela água ou vinho certamente teria a mesma reação.

Usavam pouquíssimo sal em suas refeições e o mesmo não era utilizado pelos índios para conservar seus alimentos, para tanto usavam um sistema em que a carne era cozinhada levemente sem tostar. O sal foi pouco a pouco sendo introduzido pelos Europeus através de das trocas que sempre foram as formas de se estabelecer um contato mais amigável entre europeus e índios. Os indígenas se interessavam também pelos objetos de ferro que eles não conheciam. Trocavam por exemplo pimentas, algodão, pau Brasil em troca de facas, machados, espelhos, anzóis e etc. Já os portugueses não encontraram os condimentos ou metais preciosos que pensaram encontrar, mas aproveitaram para carregar suas naus de lenha, água fresca. A boa qualidade do palmito juntamente com a grande quantidade de frutos, sementes e tubérculos ingeridos pelos índios foi algo que impressionou bastante os lusos já nesta primeira viagem.

Padrão em Homenagem ao navegador Pedro Álvares Cabral
Padrão em homenagem ao navegador Pedro Álvares Cabral, Belmonte, Portugal, 2012

O clima brasileiro se assemelhava bastante da região indiana visitada pelos portugueses com Gama, mas definitivamente a cultura daqueles povos não era a mesma, a forma de se alimentar muito menos. A Índia sendo o berço das especiarias sempre teve uma alimentação hiper-condimentada. Só pelo fator alimentação já se podia perceber que se tratava de povos infinitamente diferentes. Acredito ser difícil imaginar que se estava nas Índias. Mesmo a denominação índio para os nativos brasileiros e ser obviamente um erro, acredito que não tenha sido algo que para os portugueses fazia sentido. Eles sabiam que não estavam na Índia. Esse erro de conceito veio herdado de Colombo em sua primeira viagem em 1492, achando que tinha chegado às Índias e não em um novo continente e acabou sendo repassado para a viagem de Cabral.

Ainda sobre os verdadeiros donos das terras brasileiras, um fato que posteriormente ficou bem famoso foi a de Diogo Álvares Correia descrito o épico[6] Caramuru. Ele descreve a história de um gurizote português de apenas 17 anos que naufragou no litoral da Bahia, provavelmente no final da primeira década dos anos de 1500. Caramuru teria vivido por muitos anos entre os índios brasileiros, casou-se com uma indígena e trocou a Europa medieval pela vida entre os nativos.

Difícil imaginar o que se passava também na cabeça deste explorador europeu, quais seus valores, quais os seus sonhos e medos. Caramuru, vivendo entre os nativos, tornou-se uma peça chave na região para o êxito das missões portuguesas servindo de intermediador entre os nativos e a coroa.

Mais sobre a descrição fascinante destes primeiros encontros: “Dão-lhes então de comer e beber, com resultados negativos, Um deles repara nas contas do Rosário e no colar do capitão. Terminam deitando-se, completamente à vontade, e adormecem.” Para a época, havia certo ar de ingenuidade que quase os isentavam de alguma culpa ou má fé, é a inocência como elemento que os redime do pecado, assim como Adão e Eva no Gênesis. Aqueles navegantes de Cabral estavam diante de uma situação completamente nova e curiosa, uma mistura de incredulidade com fascínio. Os primeiros contatos dos portugueses com os indígenas davam a sensação que o processo de conversão e evangelização seria feito com facilidade se comparado com as dificuldades para com os mulçumanos que Vasco da Gama travou contato. Eles haviam chegado em algo muito próximo do Paraíso celestial[7], revivendo com os indígenas a inocência e a pureza do homem em seu estado primeiro.

[1]   Botelho: espécie de alga, rabo de asno: planta de uso medicinal, fura-buchos (tipo de ave aquática.
[2]  Fico com a escolha do Museu dos Descobrimentos em Belmonte que cita vasco de Ataíde com a primeira  vítima de naufrágio antes mesmo de chegar ao Brasil
[3] Relato de Eduardo Bueno em A viagem dos descobrimentos
[4]  “A pimenta vermelha, pequena, picante e bonitinha, seria chamada de “malagueta” e só perderia em pretígio, para a sagrada pimenta-negra do Malabar.” Rosa Nepomuceno em O Brasil na rota das especiarias.
[5] Citando Eric Garnier em Cristóbal Colón al desnudo, página 230.
[6]  Escrito em 1781, pelo mineiro José de Santa Rita Durão. Uma epopéia que conta a colonização do Brasil.
[7]  Luis Adão chama de tempos do pré pecado original.
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Mafra lake

Andre Mafra

  Estudioso da área de culinária desde 2010, dedica-se a pesquisar e estudar sobre alimentação e especiarias. Realizou viagens aos… Continue lendo.

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