Publicado em 23/04/17
Sabores e Destinos
Estudar as especiarias é um convite para viajar pelo mundo, desvendando os mistérios de cidades antigas, povos e costumes. E foi por meio dessa pesquisa sobre o tema que pude ter acesso a um universo de conhecimento que desejo, agora, compartilhar com você. Sem nos prendermos às polêmicas dos fatos históricos, lhe convido a desfrutar de uma leitura que revela um pouco da história dos homens, suas batalhas por riqueza e poder e a descoberta de novos aromas.
À narrativa, adiciono o relato de experiências das viagens que realizei, com o objetivo de mostrar os fascinantes locais onde marcos históricos importantíssimos ocorreram, influenciando o comércio das especiarias. Entre eles estão: as Cruzadas; movimento que desencadeou um intenso fluxo de peregrinos e soldados do Ocidente para o Oriente, transformando o paladar e a relação do europeu com as riquezas orientais; o aparecimento de Marco Polo e a hegemonia de Veneza no transporte de mercadorias pelo Mediterrâneo; a tomada de Constantinopla pelos turcos, provocando o fechamento do portal para o Oriente; as vitórias dos portugueses, como a conquista da África, a chegada à Índia, o descobrimento do Brasil e o alcance do extremo Oriente; o triunfo dos espanhóis ao expulsarem os mouros de seus territórios e, em busca de novos caminhos para as Índias, “descobrirem” a América; e a ascensão de holandeses, franceses e ingleses.
Foram muitos os destinos, entre os mais importantes a atual Istambul (antiga Constantinopla), na Turquia, sede por mais de mil anos do lendário Império Bizantino, hoje obscuro e esquecido pelos ocidentais. Seus monumentos e fortalezas marcam o embate entre as duas potências militares embasadas na fé – cristianismo e islamismo -, que rivalizaram a hegemonia pelo mundo conhecido. Desbravei seus mercados, aromas e sabores e, ao mesmo tempo, conheci um pouco sobre a posterior influência do Império Otomano e seus sultões.
A visita à belíssima Veneza, na Itália, revelou que, antes de se tornar um destino romântico, a cidade foi responsável por inundar o Ocidente com mercadorias do Oriente e abrigar o mais ilustre viajante do mundo antigo, Marco Polo. Seguindo as pesquisas, tive o prazer de conhecer a pátria-mãe de todos os brasileiros: Portugal, um país charmoso e de povo encantador. Visitei os belos monumentos que enaltecem os feitos portugueses em Lisboa e as casas de dois populares personagens da história dos descobrimentos – Pedro Álvares Cabral, em Belmonte, e D. Infante, no Porto.
Carimbando o passaporte no sul da península Ibérica, tive o prazer de visitar as cidades espanholas de Córdoba, Sevilha, Ronda e Granada, referências da beleza da arquitetura moura. Nem mesmo a retomada cristã, em 1492, conseguiu apagar os séculos de influência esses povos, que contribuíram para a formação do modelo cultural europeu do século XV e a Renascença.
Em dezenas de cidades europeias, visitei as marcas da dominação do gigantesco Império Romano: muralhas, aquedutos, cisternas e antigas fortificações de uma potência ávida por produtos do Oriente, entre eles as especiarias. Estive, por exemplo, na bela Zaragoza, que ficou conhecida como a cidade de Cesar Augusto e, mais tarde, foi palco de um expressivo tratado firmado entre os países ibéricos sobre a possessão do comércio nas ilhas da Indonésia.
Cruzando a estreita faixa de mar entre Europa e África, como os antigos navegadores do passado faziam, desembarquei no litoral marroquino, sede de tantas batalhas pela hegemonia do Mediterrâneo. Pude visitar Tânger, Fès e Assilah, no norte africano, onde ainda existem esparsas influências europeias, fruto das ocupações colonialistas que fatiaram o mundo. Mais ao sul, no Saara, repeti o que seriam as antigas rotas das caravanas pelas quais o centro e o sul do continente negociavam com o norte. Por todo o país, tive o privilégio de conhecer as medinas lotadas de especiarias e seus simpáticos mercadores.
Essa jornada continuou pelo Novo Mundo, revendo as precárias condições em que os homens dos descobrimentos viajavam, as doenças que os acometiam e o contato com os nativos. Cidades do litoral brasileiro, cuja história o poder público pouco se esforça para preservar, relembram os embates entre o europeu e os nativos, como, por exemplo, o caso dos índios canibais que capturaram o náufrago Hans Staden e as divertidas histórias do lendário Caramuru.
Na turística e baiana Porto Seguro, local de desembarque dos portugueses há mais de 500 anos, podemos sentir o mesmo deslumbramento dos antigos navegadores portugueses ao se depararem com uma paisagem tão bela, descrita poeticamente na carta de Caminha. Tive o privilégio ainda de passear pelos mercados de especiarias em São Paulo, que nos mostram não só a pungência de seus produtos, mas também da economia local. Além de conhecer uma fazenda, no interior do Estado, que conseguiu transplantar para nosso país a pimenta mais ardida do mundo.
Outro destino que muito contribuiu com a produção desta obra foi Israel, palco de diversos conflitos e do movimento das Cruzadas. Peregrinos e soldados ocuparam, invadiram, venceram e perderam nessas terras, gerando uma interação entre Ocidente e Oriente Médio que mudou o mundo e a forma como nos alimentamos.
Não poderia ficar de fora a terra das especiarias, a Índia, destino que me faltava para finalizar o livro com chave de ouro. Passear pelos antigos bazares de Delhi e deliciar-se com a gastronomia mais condimentada do planeta é condição obrigatória para qualquer aficionado por temperos. Escrever sobre o tema e não visitar o país é inaceitável. Check!
E isso é só o começo. Existe ainda um mundo inteiro para vasculhar, pois estudar especiarias significa estudar o comércio e a relação de trocas entre os homens – o que faz com que uma vida seja pouco para desvendar esse universo.
Como resultado dessa expedição por diversos países, conheci um grande número de condimentos e alimentos, sobre os quais discorro, quase sempre, ao final dos capítulos principais deste livro, junto com uma coleção de fotos de dar água na boca. Acrescento ainda maneiras de utilização das especiarias e diferentes combinações que propiciam uma alimentação rica e especialmente saborosa. Com isso, quero estimular você a desbravar novas possibilidades de sabores e aromas que talvez nem soubesse que existisse.
Longe de ter a pretensão de preencher as lacunas da história, desejo apenas diminuir as fronteiras e colocar o ser humano como agente responsável pelo seu passado e futuro, independentemente de nação, religião ou filosofia. Afinal, olhar para trás nos ensina a entender o momento presente. Ainda que o tempo passe, a natureza do homem se mantém, incrivelmente, quase imutável. Após séculos, continuamos a testemunhar a dificuldade do ser humano em compreender o outro. E, assim, o preconceito e a ignorância bloqueiam a percepção de que todos habitam o mesmo planeta.
Seja bem vindo e vamos viajar juntos!
Prof. André Mafra