Publicado em 14/10/22
“Eu tofu…”: conheça a tradição chinesa do tofu – Coluna Vida Simples
Você já provou tofu? Gosta do seu sabor? André Mafra compartilha aprendizados da China, onde teve a oportunidade de saborear a forma como tradicionalmente o tofu é servido.
Odiado por alguns, amado por outros, hoje o tema da nossa coluna é o famoso e celebrado tofu!
Para além do infame trocadilho que dá nome ao texto, o que quero mesmo é esclarecer e colocar no lugar correto o tofu e suas polêmicas.
Erro número 1
Tudo é expectativa, não é mesmo? O primeiro grande erro é achar que tofu é um tipo de queijo, ou mesmo chamá-lo de queijo de soja, algo que o tofu não é. Ele é o resultado do coalho da soja, cuja pasta solidificada forma um agrupado que se assemelha a um bloco gelatinoso de cor geralmente branca. Seu gosto ou textura nada tem a ver com um queijo dito “normal”, feito de leite de vaca, por exemplo.
Essa boa e bem intencionada forma de apelidá-lo apenas gera frustração naquele que o degusta, que esperando o sabor e os atributos do queijo tradicional, depara-se com uma outra coisa completamente distinta.
Como resultado, para muitos, o tofu pode ser considerado um ingrediente sem gosto, um queijo sem graça, insosso. Resumindo: tofu não é queijo; tofu é tofu.
Os recém-adeptos de alguma dieta sem carnes, seja ela vegana, vegetariana ou outra, em geral, correm para os substitutos dos antigos ícones alimentares, como “queijo de soja”, hambúrguer “disso”, coxinha “daquilo”, tudo de similar para satisfazer as novas restrições.
Erro número 2
E nessa errônea readequação, adotam o uso exagerado do tofu como salvador da dieta, criando outro problema, que, neste caso, vamos chamar de erro número 2: trocar o queijo pelo tofu pode ser uma experiência traumática.
Se você deixou de comer carnes, o aglomerado de soja não precisa ser o substituto diário do seu antigo bifinho, mas este é outro assunto…
Quando falta sabor, apelamos para os benefícios
Quase todos os textos que falam sobre o tofu apelam para uma lista enorme de benefícios que você terá ao ingerir aquele queijo de soja ruim, mas nas entrelinhas estão dizendo: “É um pouco sem graça, mas faz bem!”
Sim, ele tem muitos benefícios para a saúde. Feito da fermentação do leite de soja, trata-se de uma excelente fonte de proteína vegetal e cálcio, e sua utilização é bem versátil na cozinha. Porém, enfatizo mais uma vez: não enxergue o tofu como um substituto do queijo das suas antigas receitas ou pratos! O resultado pode ser desastroso.
Mas afinal, como usar bem o tofu? Simples, aprendendo com seu berço culinário: a China.
A China e o tofu
A culinária chinesa é riquíssima e muito antiga; possui uma constelação de sabores e muitos ingredientes preciosos.
Em uma comparação um pouco absurda, talvez a riqueza e a antiguidade apenas se comparem com a indiana. Dividida em 8 grandes cozinhas (Anhui, Shandong, Jiangsu, Fujian, Zhejiang, Guangdong, Sichuan e Hunnan), os segredos da comida chinesa não cabem em uma só vida, e ainda afirmo ser impossível tornar-se um profundo conhecedor de todos os seus segredos.
Mas, voltando ao tofu, é na China que vamos buscar inspiração para realmente entender o seu papel na culinária.
O tofu que eu respeito
Em busca dos sabores da China, tive o prazer de conhecer um prato que deu um tratamento ao tofu muito surpreendente: o mapo tofu (caracteres 麻婆豆腐, pronúncia: mápó dòufu), um espetáculo.
Quando provei aquilo, pensei: “Mas isto sim, é o tratamento que o tofu merece! Quanto sabor, quantos aromas, que textura agradável!”
O mapo tofu é originário de uma das 8 cozinhas que citei acima, mais precisamente da cozinha Sichuan, a minha preferida e uma das mais veneradas e “pop” hoje em dia na própria China.
Seu foco está no uso intenso de condimentos, entre eles, a pimenta homônima no Ocidente, chamada, é claro, de pimenta Sichuan. Seu nome em chinês é Huājiāo (花椒) e seu sabor é levemente picante, somado a uma sensação curiosa de um borbulhar na língua (lembra uma bebida gaseificada). Recomendo.
Reza a lenda que se originou durante uma das raras dinastias estrangeiras na China (no caso, a manchu), chamada Dinastia Qīng (1644-1911), em um restaurante na cidade de Chengdu. Ali, um casal de sobrenome Chen, gerenciava o restaurante Chen Xingsheng.
Pelo que consta, a mulher ficou conhecida como Chen Mapo (por ser idosa, usa-se o termo “po 婆”) e tinha marcas de varíola no rosto (por isso o termo “麻 ma”). Logo, sua forma de cozinhar o tofu ficou conhecida como mápó dòufu.
O mapo tofu é preparado à base de um molho feito com feijão preto fermentado, acrescido de pimenta vermelha, pimenta Sichuan, gengibre, shoyu e outros elementos. É neste saboroso caldo que o tofu repousa e cozinha, para absorver o sabor. Uma erva como cebolinha ou coentro pode ser um ótimo aliado para compor a finalização do mapo tofu.
Ao provar a iguaria, nota-se que o tofu, sendo algo muito leve e discreto, torna-se um ótimo veículo que assimila os exóticos sabores, constituindo um prato bastante desejado em toda a China.
Respeite tradições que você não conhece
Comida chinesa não é yakissoba, que curiosamente é um prato japonês, com rolinho primavera de entrada e banana caramelizada e biscoito da sorte de sobremesa.
A culinária chinesa é bem mais interessante do que o conteúdo da sacola vinda do fast food chinês que chega pelo aplicativo.
Ir para a China é algo que recomendo a todos os amantes das boas garfadas, pois é um local incrível e desafiador para o ocidental, em termos de alimentação. Trata-se de um novo paradigma de olhar os ingredientes, de mesclá-los e temperá-los. Sua cozinha dá muitos outros tratamentos ao tofu, compondo pratos que podem lhe surpreender.
Minhas recomendações continuam as de sempre. Desfrute de sua alimentação sempre priorizando a busca pelo sabor e o prazer de comer. Comer bem é uma dádiva para o organismo e você merece o deleite de uma alimentação rica em aromas, sabores e ótima apresentação, tudo isso sem abri mão da saúde.
Que tal buscar inspirações e culinárias distantes para conhecer novos ingredientes e temperos?
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ANDRÉ MAFRA (@prof_andremafra) é autor do livro “Sabores e Destinos, uma viagem pela história das especiarias”. Na obra, faz uma imersão no universo dos condimentos, ervas e temperos – e, por consequência, nos primórdios da cultura e das próprias relações humanas.