Publicado em 05/12/16
O que come um homem de verdade?
Além do fator econômico, um ar de extraordinário sempre envolveu as funções e os feitos do uso das especiarias como seguramente você já ouviu falar.
Dizia-se que a utilização dos condimentos aumentava o apetite, combatia resfriados e evitava picadas de insetos ou até mesmo anulava o efeito de venenos. Juntamente com o gengibre e outros condimentos, as pimentas tinham, e têm até hoje, a fama de realizar milagres: afirmava-se que incentivavam a potência sexual, tratavam-se do vyagra[1] do passado. Na verdade, acreditava-se que todos os alimentos caloríficos teriam o poder de estimular a libido; consequentemente, os itens frios teriam o efeito contrário[2]. Por esse motivo seriam chamados de homens de verdade aqueles grandes apreciadores de uma alimentação forte e picante, sem saladas! Já aos solteiros e aos sacerdotes, em tempos de grande repressão sexual, estava liberado o consumo de alface à vontade…
Das muitas especiarias, a pimenta foi a mais valiosa durante os séculos XVI e XVII. Juntamente com o cravo, o cominho, o coentro, a canela, o gengibre e o sal, combinados em diferentes proporções e elementos, permitiam a conservação da carne em um estado minimamente palatável para a ingestão durante meses. A canela também aliviava a sensação de ânsia, agravada pela ingestão de água que, em pouco tempo nas naus tornava-se escura e fétida.
Os pães também ofereciam problemas de estocagem, por isso a pimenta, o açafrão, o coentro e o cominho ajudavam em sua conservação. Até vinhos e azeites eram misturados às especiarias, segundo os costumes medievais e a teoria dos humores, a fim de aquecer e preparar o estômago para a digestão dos demais pratos. Ainda hoje, o uso de temperos e do sal são empregados na conserva de alimentos.
Além de contribuírem para a sobrevivência de um povo, o forte gosto das especiarias era bastante apreciado, pois dava sabor aos alimentos e status à mesa dos ricos. Elas possibilitaram um “upgrade” na cozinha europeia medieval, que saltou de uma comida simplória, bárbara, tostada ao fogo de chão, para uma alimentação bem preparada, saborosa, rica e colorida. Por tudo isso, o uso dos condimentos permitia uma alimentação de mais qualidade, ajudava nos cuidados com a higiene e, consequentemente, trazia maiores benefícios à saúde.
Com tudo isso, começamos a entender porque a busca pelas especiarias tornou-se uma obsessão para aqueles aventureiros europeus, que enxergavam nas expedições uma maneira de alcançar um futuro melhor.
[1] Vyagra é uma palavra sânscrita de origem indiana que significa distraído, confuso, agitado (excited), animado, alarmado, de forma agitada, com grande entusiasmo, entre outras traduções segundo o Sanskrit English Dictionary, de Sir Monier Williams.
[2] Michael Krondl, em O sabor da Conquista, pág. 260.