Publicado em 23/01/19
O desastre de Tânger e o dilema do Infante tupiniquim, que talvez não seja tão santo assim…
Saiba a história do Desastre em Tânger
Sua posição geográfica isolada e defendida por extensas muralhas, que perduram ao tempo e podem ser vistas frente ao porto, fazia dela um alvo cobiçado pelos cristãos, mas sua capitulação não seria fácil. Coube ao sucessor de D. João I em Portugal, o rei D. Duarte, assumir a tarefa de tentar conquistar a segunda cidade moura em África.
A decisão de atacar Tânger não foi apoiada por boa parte da sociedade portuguesa, inclusive por D. Duarte, que sabia que o caixa do tesouro português estava vazio, depois dos excessos de guerra cometidos por seu pai. A euforia das conquistas anteriores, alimentada pelos seus irmãos, principalmente D. Henrique, podia custar caro. Com míseros 6 mil soldados, dos 14 mil esperados, o cenário desfavorável começava a se desenhar.
Mesmo com o apoio do Papa à causa da tomada da praça de Tânger, muitas das naus prometidas por nações cristãs vizinhas não chegaram. Parte do efetivo militar rumou para Ceuta, de lá deslocou-se por terra para o cerco; já outra parte, com escassos recursos, teve de se deslocar até Tarifa, no sul da Espanha[1], buscando alternativas para atravessar o estreito e juntar-se diretamente ao exército cristão em Tânger.
Um grande chamado havia sido ecoado por todo o norte da África e numerosos reforços engrossaram a causa muçulmana. Alguns cronistas citam mais de 90 mil homens, o que parece ser um exagero. Ao final, os lusos liderados por D. Henrique foram atraídos para a periferia da cidade e isolados de seus navios, sofrendo uma derrota humilhante. Receberam a intimação de retornar a Portugal desarmados e sem bagagens, tendo que aceitar duras condições de rendição: o estabelecimento de 100 anos de trégua entre as duas nações; a devolução imediata da cidade de Ceuta para os marroquinos, cuja garantia iria se dar com a entrega de um refém de linhagem nobre, o príncipe Fernando, aos mouros.
O príncipe capturado passou a ser moeda de troca para a devolução de Ceuta, mas as pressões internas e as forças políticas na época, cujas vozes de protesto ecoaram por todo Portugal, não admitiam entregar a cidade aos mouros, exaltando a legítima conquista cristã que ela simbolizava. Sacerdotes bravejavam que as novas igrejas de Ceuta não poderiam ser profanadas pelos infiéis. Já os mercadores ameaçavam revoltas, pois a devolução da cidade significava expor o sul de Portugal novamente aos piratas e corsários que rodavam o estreito. O rei D. Duarte sabia do preço que pagaria se não cumprisse o acordo: seu irmão D. Fernando, que havia sonhado ser feito cavaleiro com a conquista de Tânger, seria sacrificado por uma causa maior.
Com o príncipe D. Fernando cativo, o rei doente e deprimido recolheu-se em Tomar, vindo a morrer em 9 de setembro de 1438 de um surto de peste. D. Fernando pagou o preço da recusa da entrega de Ceuta e definhou por mais cinco anos nas imundas masmorras[2] da medina de Fès. Suas cartas desesperadas direcionadas aos seus irmãos não surtiram efeito e o príncipe por lá veio a falecer em 1443[3]. Curiosamente, foi no cerco de Tânger que o avô de Pedro Álvares Cabral, também chamado Fernando, foi morto em combate.
por André Mafra
[1] Um dos pontos mais próximos entre o continente europeu e o africano. De ferry, atualmente, leva-se menos de uma hora. [2] Citação de Elaine Sanceau, em Castelos de África, página 92. [3] Seus restos mortais foram devolvidos aos portugueses, mediante uma troca de dois prisioneiros mouros, em 1471, advindos da conquista de Arzila e Tânger pelos portugueses.